Peça música!

A trilha musical da vida é eclética e cheia de estilo. Todos tem uma trilha sonora original pros momentos e pessoas mais importantes, e nem sempre essa seleção de hits obedece uma ordem precisa ou um padrão.

Essa seleção transcende nosso gosto musical, tem música que a gente escolhe, tem música que escolhe a gente. A OST da vida é alguma coisa próxima àquela coletânea de rádio comunitária, que apresenta B.B.King e Sérgio Reis em faixas sequenciais.

Ainda que não faça absolutamente nenhum sentido, afinal você nem se entusiasma com música eletrônica 80’s, quando os primeiros acordes de Sweet Dreams ganham a festa você abre um sorriso indulgente. É sem querer, você não escolheu, mas aquela canção te traz a memória de uma grande amiga tentando te fazer dançar – naquele dia que você preferia ser enterrado. Foi tão engraçado, tão triste, tão intenso… e de repente faz sentido. Você não gosta da música, mas ela é uma de suas músicas.

Temos tantas músicas quanto histórias. Quem viveu muito (no sentido poético, não literal) vai ter quase meia dúzia de cd’s na coletânea quando chegar à terceira idade.

Fazem parte aquelas músicas que você ama, e que foram eleitas para celebrar momentos incríveis. Tem seu espaço também aquelas músicas que você detesta, mas aconteceu de estarem tocando naqueles momentos incríveis – tipo aquela da Elba, que você inevitavelmente canta quando ouve – e sempre se arrepende depois.

Ter uma relação inusitada com música clichê também vale. Exemplificando o conceito, tenho um amigo que não pode ouvir “Como uma Deusa” que chora, lembra de um cachorro. Sentido zero. Mas sabe que eu ouço a desafinação da Rosana e lembro dele também, é automático.

Então peça música! Tipo no Fantástico, quando o cara faz três gols pede música, peça música depois dos três beijos, das três conversas, dos três sorvetes. Sonorize suas memórias, sem economia na quantidade de canções.

Faça questão de ter sua música, de compartilhar a trilha do momento. Se não acontecer de acidentalmente uma musica ilustrar a situação você mesmo deve eleger. Tipo uma selfie, só que em vez de se fotografar naquela hora, se “musique”. Considere para seu mix até algumas músicas ridículas – Drummond já alertou que as cartas de amor também o são.  E tudo uma questão de ponto de vista.

Um dia desses você entra num elevador e ouve uns acordes conhecidos que te levam pra outra dimensão. Se permita contagiar pelos acordes, sinta a música e recorde. Vale até tirar a ascensorista pra dançar. Deixe que a música te invada e te pertença, se tornando parte da sua história ela passa a compor a trilha sonora do melhor de todos os filmes.

 

Hermano!

E o novo Papa foi escolhido, e ele é Argentino! Um hermano, de fato. Papa Francisco, de Buenos Aires.

A Catedral de Buenos Aires é linda, e todos são acolhidos ali – e falo do que vi e não do que me disseram. A história do padre chama a atenção, se levantou contra a ditadura como poucos religiosos no poder tem coragem de fazer – e falo do que a história do povo conta, não só a oficial. Como voltei de Buenos Aires há pouco posso dizer, sem meias palavras, que vi de perto grande parte do que o novo Papa Francisco construiu, e fiquei admirada.

Como não podia deixar de ser o Brasil parou para assistir a escolha do Papa. As bandeiras verde e amarelas tremularam, os novos teólogos comentaristas fizeram toda sorte de observação até o anuncio oficial ser feito. Parecia até final de copa do mundo, todas as equipes de jornalismo aguardando a saída na varanda do Vaticano.

E a reação da mídia com o anúncio do Papa argentino foi até engraçada. E agora, como contornar a superexposição em torno da eleição do primeiro papa brasileiro, se quem ganhou foi justamente o argentino?

Os gracejos relativos ao fato já estão por todos os lados. Televisão, rádio, facebook, instagram, em todo lado já se encontram observações nem sempre tão pertinentes sobre o fato. Vejam bem, ele é o novo Papa, uma pessoa designada para unir os povos católicos, e não o novo ganhador do Big Brother. Realmente não importa muito se ele é argentino, uruguaio ou francês certo?

Apesar de que, no fundo, acho que pode ser bem valioso o novo Papa ser Argentino. Por questões de colonização, e até por pertencermos ao grande balaio que é a América Latina, um Papa que construiu uma história tão próximo a nós (geográfica e politicamente) entende bem os problemas que o povo que está abaixo da linha do Equador vive todos os dias, e enfrenta de cabeça erguida.

Aqui embaixo, ao sul do corte imaginário do mapa que ainda divide os que sabem dos que estão por saber, que divide o poder maior do poder menor, a Igreja Católica foi muitas vezes vilã, julgou muito, condenou ainda mais. Mas ainda assim o número de católicos nestes países é muito expressivo, e a religiosidade é exaltada com fervor.

Um Papa que vive esta realidade, que entende como a fé é importante por aqui apesar de todas as injustiças que já foram cometidas – inclusive em nome da própria igreja – pode realmente mudar os caminhos do catolicismo, que precisam ser revistos urgentemente. Ninguém mais apropriado ao meu ver!

Opções

Na vida existem verdades e mentiras. Essa é a real, não existe meia verdade e nem meia mentira, nem mentiras sinceras e nem verdades desnecessárias. Ou dizemos a verdade ou mentimos, ou ficamos quietos, essas são as opções possíveis. Ainda que muitas vezes se queira, desesperadamente, encontrar uma forma de amenizar a verdade, por assim dizer…

E quando se trata de crer funciona da mesma forma, existem as coisas plausíveis, nas quais acreditamos fielmente, e existem as coisas não-plausíveis, nas quais não acreditamos e ponto – e existem as variações dessas duas situações, é claro. Muitas vezes nos deparamos com situações em que acreditamos ou não, e outras pessoas tentam nos convencer de que estamos errados, mas isso dificilmente funciona… quando cremos em algo (ou não) apenas um motivo muito forte nos faz mudar de idéia.

Agora, e as coisas que optamos em acreditar, como funcionam? Existem perguntas que simplesmente não têm resposta, nas mais diversas áreas da vida, e se torna questão de opção. Como queríamos essas respostas! Coisas relativas ao futuro e que envolvem sentimentos alheios geralmente se encaixam nesse quadro. E ai apelamos pro senso comum, nos abrimos com amigos, contamos o que nos aflige, e eles dão suas opiniões – uns acham que a pessoa gosta de você, outros não, uns acham que você pode ser bem sucedido mudando de profissão, outros não… .E aí escolhemos. Com base em nenhuma ciência e em nenhum dado concreto optamos por acreditar ou não que nossos sentimentos são correspondidos, ou que nossas decisões são as mais acertadas.

Me intriga o que realmente nos leva a estas opções, definitivamente não é a racionalidade. Será que é uma certa intuição ou apenas nosso desejo de que esta seja a verdade? Optamos diariamente por acreditar em fatos e em pessoas, principalmente em pessoas – e muitas vezes nos arrependemos. E alguém sempre pergunta: “Mas porque você achou que ele ia agir assim depois de tudo o que já aconteceu?” ou “Por que você não muda de atitude pra ver se dá mais certo em vez de insistir?” – e nunca sabemos o que responder! Depois que aconteceu o que não deveria, ou depois de nos decepcionarmos, parece infantil até dizer que aquela parecia ser a única opção correta. Talvez sejam essas verdades que optam por nós, inconscientemente.

Algumas vezes escolhemos acreditar em coisas que não são verdade, infelizmente. Optamos em acreditar porque faz bem achar que as coisas podem ser mais bonitas do que parecem, que existem borboletas dentro dos casulos de lagarta. E algumas vezes tem mesmo, mas na maioria delas não. As coisas muitas vezes não são o que parecem, isso lá é verdade, mas as vezes temos que admitir que elas são do jeitinho que parecem mesmo. E quando as evidências são muitas devemos ser mais atentos: em quase toda fumaça há fogo.

De toda forma, cair na realidade de que acreditamos numa situação ou pessoa inexistente/incoerente é difícil e dói. Principalmente porque tínhamos a opção de não acreditar, o que nos dá uma parcela de responsabilidade sobre o próprio sofrimento. Mas passa, e deixa a lição pra vida. Já que a verdade não é aquela que gostaríamos é melhor saber logo, porque ninguém gosta de viver numa ilusão com prazo de validade.

*** Texto publicado em Revista Caminhar (2010), reeditado para Entrelinhas (2013)

O novo Papa

A teoria de que os brasileiros são naturalmente muito competitivos, que defendo com frequencia, se faz muito pertinente novamente esses dias. Retomando o conceito, para aqueles que ainda não conhecem: o povo brasileiro tem paixão por torcer, pela expectativa e pela disputa, muito mais do que por um time, um esportista ou um ideal. Nossa grande vitória é vencer, ou ver o maior inimigo perder – e se possível ambos!

Vejam vocês que nosso povo torcedor, na falta de grandes eventos esportivos e de polêmicas envolvendo (sub)celebridades, encontrou nesses últimos dias um novo entretenimento para exercitar sua energia torcedora: o conclave!

A eleição do novo Papa, líder religioso da Igreja Católica, é um assunto que ganha uma imensa atenção das mídias dos países católicos. E como o Brasil é, ao menos em teoria, um país católico, não poderia ser diferente. Já era esperada essa atenção especial à reunião de cardeais para a escolha no novo Papa, até pelas características sigilosas da atmosfera do conclave – e tudo que envolve segredos e poder atraia a atenção do homem, seja qual for sua nacionalidade. É da natureza humana.

O que não era assim tão esperado, principalmente se considerarmos a quantidade de religiões que se integram no Brasil, seria ouvir falar do conclave em todos os nossos telejornais, programas de variedades, programas de entrevistas, jornais, revistas. A mídia brasileira simplesmente abraçou o conclave! Representantes especiais aguardam para transmissões em tempo real, infográficos foram criados para explicar o procedimento de votação dos cardeais, comentaristas teólogos falam sobre os favoritos e pesquisas apontam a opinião da população sobre a votação, ainda que isso não influa em absolutamente nada.

E por que a população brasileira não questiona a situação? Resposta simples, temos um concorrente brasileiro à vaga! Sem nenhuma demagogia ou desrespeito à religião católica, da qual faço parte inclusive, mas o conclave se tornou assunto com toda essa expressividade porque “estamos na disputa”.

Não será de se estranhar que charges com a fumaça que sinaliza a decisão dos cardeais saindo verde e amarela surjam nos próximos dias. Nem que novos teólogos/comentaristas passem a fazer análises estatísticas sobre quais cardeais tem maior ou menor possibilidade de “votar no Brasil”, quais seriam nossos aliados, e por aí vai…

A possibilidade do novo Papa ser brasileiro tem deixado inquietos até mesmo adeptos de outras religiões, que em outras situações possivelmente sentiriam certo desagrado com esse excesso de catolicismo midiático. O ato de torcer realmente une nosso povo!

Que ao menos esta situação sirva para que o brasileiro seja um pouco mais democrático com as questões religiosas. Uma vez que são capazes de torcer pelo Papa brasileiro juntos, que sejam capazes de conversar também sobre outros assuntos religiosos assim, em paz. Podemos dar o exemplo! Afinal de contas, Deus é um só, e há quem diga até que é brasileiro!

No mais, vai Brasil! Traz o titulo, o santo e a benção – que estamos mesmo precisando…